sábado, 15 de outubro de 2011

Não há razão

  Parei na porta do elevador, lá estava ele com sua bermuda caqui e a camisa verde listrada, aquela mesma camisa que eu amara, vestira em dias felizes. Naqueles dez segundos passaram-se tudo que eu vivera com ele, tudo que eu havia sonhado e planejado ao lado dele, era estranhamente incrível como tudo aquilo era passado, porém muito presente nos meus pensamentos. A porta do elevador ia se fechando quando ele a segurou, com um olhar meio apreensivo. ‘A gente não precisa se evitar pra sempre’ e expressou aquele meio sorriso quase perfeito que eu conhecia bem. Hesitei, mas resolvi entrar, a final não podia fugir eternamente desse carma, do meu carma, o carma que eu amava ter.
  Me encaixei simultaneamente no canto oposto do elevador, fixei meus olhos no visor e aguardei, arrisquei olhar pelo canto do olho, e quando olhei observei o grande espaço entre nós, me perguntei como isso tinha acontecido, não necessariamente no elevador mas em nossas vidas, pensar nisso me pesou, pesou meu coração, minha alma, minha mente, meu corpo. Meus olhos se encheram, voltei-os para o visor e sussurrei para mim mesmo ‘Isso já acabou’.
  Nenhuma palavra dele, nenhuma palavra minha, nada de nada, só o sentimento de angustia que apertava dentro de mim. Chegamos ao térreo, ficamos parados esperando quem sairia primeiro, mas ele sempre como um bom cavalheiro me deu a vez. Ao sair do elevador, tive vontade de olhar pra trás, mas achei melhor não.
  Fui para o trabalho, fiz o necessário deixei algumas coisas pendentes, pensei nessa situação de três minutos durante o resto do dia. Cheguei em casa tomei um banho quente, peguei um livro fino, apertei o botão da secretária eletrônica e deitei. Duas mensagens eram o que tinham lá, uma era da minha mãe, perguntando pelo meu resfriado, eu ri da preocupação dela, era uma das poucas pessoas que se importavam comigo, a outra fez meu riso cessar, era ele.
  A mensagem começava tímida “Oi, tudo bem? Sei que não está em casa, to ligando agora porque ainda não tenho coragem de escutar sua voz, fico nervoso. Espero que termine de escutar, essa mensagem vai ser diferente. Não vou pedir pra voltar, nem pedir perdão, apenas vou falar o que eu sinto, e o que eu tenho sentido desde o fim de tudo. E o que eu estou sentindo é: saudade. Saudade de ouvir você cantando todo dia de manha antes de sair, saudade de ter minhas meias roubadas, saudade da nossa discórdia em relação a quase tudo, e a identificação a quase tudo também, saudade da sua cara de burra quando eu me fazia de inteligente. Saudade do nosso par ou ímpar para escolher um lugar pra comer, saudade do seu copo sujo de toddy na minha pia, saudade da sua pilha de livros sobre a minha mesa de trabalho.Saudade dos seus delírios, de suas tolices, de sua forma torta de ver o mundo. Enfim, tem dias que eu penso demais em você, tem dias menos, mas todos os dias você é lembrada em alguma coisa, algum detalhe, ás vezes me sinto até louco, conversando com você mentalmente.(pausa) Bom, é só isso, queria que você soubesse, queria desabafar, botar pra fora sabe ? Como você sempre disse pra eu fazer. Acho que to mais aliviado agora, mesmo com o peso da sua falta. Então é isso, quando quiser conversar estou aqui, beijo.”
  Estava paralisada na cama, a única coisa que se movia em mim eram minhas lágrimas escorrendo. Mas num impulso, saí correndo, como nunca antes, disparei para o elevador e apertei o doze, cheguei à porta dele, e apenas bati, esqueci até da existência da campainha. Ele abriu, olhei pra ele, com sua calça de moletom e camisa velha, e cabelo bagunçado, e não sabia o que falar, nem sabia como fui parar ali direito, só sabia o porquê, na falta das palavras, dei um abraço, muito forte, forte mesmo, abraço de urso ele chamava, e ficamos ali por um tempo, abraçados, sentamos no chão abraçados e ficamos ali, jogados naquele corredor empoeirado.

He doesn't look a thing like Jesus
But he talks like a gentlemen
Like you imagined when you were young.

(When You Were Young - The Killers)